domingo, 21 de junho de 2020

Todo tempo que nos resta


Por *João Ilo Barbosa



Creio que o leitor concorda que essa pandemia fez mudar muita coisa em nossas vidas, nem sempre para pior. Em meio aos inúmeros vídeos de whatsapp assistidos, um deles me chamou muito a atenção. Versava sobre a gestão do tempo e começava com o seguinte questionamento: qual o bem mais precioso que temos? Aquilo que não podemos pausar, repetir, alterar ou comprar: o tempo! Podemos apenas vivê-lo até que se esgote por completo para cada um de nós. O tempo, portanto, é um bem insubstituível que vamos perdendo a cada dia, hora e minuto. 


Dado seu expressivo valor, uma pergunta de partida pode nos levar a um maior autoconhecimento: para que dedicamos boa parte do nosso tempo? E porque temos atividades para as quais parece que nunca sobra tempo? Ou seja: estamos ocupando nosso tempo realmente de uma forma saudável e produtiva? 


A crise da COVID 19 está gerando uma situação bem peculiar com relação às questões levantadas. Nosso tempo foi reduzido drasticamente para algumas atividades, como os deslocamentos no trânsito, e aumentado para outras, como ler e cuidar da casa, por exemplo. Isto nos trouxe ganhos e perdas. Menos tempo de trabalho quase sempre significa menor receita, mas, por outro lado, podemos ter encontrado tempo para fazer coisas triviais, prazerosas, mas esquecidas. Defrontamo-nos também com a falta de desculpas para não realizar tarefas que antes eram objeto de postergação, com a eterna promessa de que amanhã iríamos fazê-las sem falta. 


Quando falamos em ganho ou perda de tempo, em função do isolamento social, a expressão pode nos confundir. Como dizia Cazuza, o tempo não para. De fato, o tempo não mudou, mas a quebra da rotina que nos impunha a realização de diversas tarefas aumentou o valor de nossas escolhas, de decidir o que podemos fazer do nosso tempo, transparecendo mais facilmente o que, de fato, priorizamos. 


A reclusão e a parada de afazeres rotineiros proporcionam uma reflexão sobre como estamos gerenciando nossa vida, no sentido de avaliar se estamos gastando nosso tempo finito com coisas que realmente valem a pena. Em minha experiência pessoal, nesse período pude conviver mais com meus filhos, que já estão grandes, já que as inúmeras atividades de todos restringia essa convivência. Em quase três meses fizemos coisas para as quais dificilmente "sobrava tempo". Pudemos cuidar da casa, muito mal, na verdade, e preparar nossa própria comida. Aí foi um pouco melhor (Risos). Também tocamos violão, cantamos e jogamos conversa fora.  


O maior tempo juntos também trouxe atritos, mas é quase impossível se abster dos problemas. Esses fazem parte da vida e podem nos ensinar a superar desafios que a vida nos impõe. A maior lição que tirei com a mudança da rotina foi a de que precisamos escolher melhor nossas prioridades.  


Que saibamos aproveitar o tempo da melhor forma, mesmo com todas as limitações e exigências durante e após a pandemia. O principal parâmetro para definir o que estou chamando de "melhor forma" de lidar com o tempo é o quanto isso nos aproxima da felicidade. Aliás, tempo e felicidade estão intrinsicamente relacionados. Estar feliz sempre nos dá a sensação de transitoriedade. Quando nos sentimos felizes, o tempo passa tão rapidamente que logo parece se esvair e já estamos de volta a procurá-la. 


Que em todo o tempo que nos resta possamos olhar pra trás e pensar: vivi bem o tempo que já usei. Se isso não foi possível, olhemos para frente com o objetivo de gastar nosso tempo com coisas que realmente colaborem para nossa felicidade. É utópico sim, mas estou dedicando mais tempo às minhas utopias.





Referência:

MARCONDES FILHO, C. Perca tempo: é no lento que a vida acontece. São Paulo: Pia Sociedade de São Paulo - Editora Paulus, 2014.





*Psicólogo Clínico. Professor da Universidade Federal do Ceará. Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará.

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