Por *Périsson Dantas do Nascimento
As
psicoterapias corporais abrangem um corpo teórico e técnico na psicologia
clínica, que são derivadas das contribuições elaboradas por Wilhelm Reich
(1897-1957), que iniciou sua carreira como psicanalista e elaborou uma série de
inovações clínicas de inclusão do corpo no processo psicoterápico. Essas abordagens possuem um cunho holístico e
psicossomático, ou seja, consideram que o ser humano é um ser integrado
dialeticamente em suas duas dimensões constitutivas: processos mentais e
corporais, que se unem na dimensão energética.
Ao
falar em energia, na perspectiva corporal, parte-se do pressuposto que para a
manutenção das células vivas, é necessária uma produção de energia biológica
por meio do metabolismo, que queima nutrientes advindos da alimentação,
juntamente com o oxigênio do ar, produzindo calor, alimentando as células e
excretando as substâncias químicas desnecessárias. Daí a ênfase, nas
intervenções em psicoterapia corporal, na respiração como processo fundamental
para a produção de energia e a autorregulação do organismo. Além disso, para a
produção de energia, é importante que as células estejam em contínuo movimento,
outro pilar básico de intervenção nessa abordagem.
As
psicoterapias corporais trabalham com a hipótese central de que a história de
vida de cada pessoa está inscrita no corpo, na forma de tensões, fluxos
energéticos e formas específicas de expressão e constituição, para além da
genética. Dificuldades e frustrações vividas no desenvolvimento infantil
repercutem em fixações, mais especificamente, em traumas de desenvolvimento,
que desencadeiam na pessoa a necessidade de construir defesas para evitar
entrar em contato com as experiências desagradáveis. Quando uma frustração é
vivida repetida e intensamente, essas defesas configuram um padrão rígido de
funcionamento na vida, de forma a proteger a pessoa de reviver experiências de
vulnerabilidade na relação com as pessoas na vida adulta. Tal conjunto de
defesas, que se enraízam e protegem o ego do sujeito, é definido em psicoterapia
corporal como estrutura de caráter, sendo a base de compreensão dos sintomas
neuróticos.
Como
trabalhamos com um raciocínio integrativo, é necessário entender que esse
complexo sistema de defesas também está ancorado no corpo. Os traumas de
desenvolvimento provocam uma alteração na regulação do sistema nervoso
autônomo, que prepara o corpo para reagir a ameaças e estímulos estressores.
Nesse sentido, o sistema nervoso simpático torna-se superativado, tendo como
principal repercussão um tensionamento crônico da musculatura, com vistas a
cortar o contato da pessoa com as emoções, sentidas como ameaçadoras (medo,
raiva, tristeza, prazer, por exemplo). A contração crônica da musculatura, que
se dá em diferentes segmentos horizontais no corpo, é definida como couraça,
que bloqueia as sensações, o potencial respiratório e inibe somaticamente a
capacidade pulsatória do corpo como um todo. O trabalho clínico visa
flexibilizar, de maneira integrada, psiquismo e corporeidade, visando
proporcionar uma melhor autoconsciência, por meio de diferentes intervenções,
reconhecendo o limite de cada pessoa e o seu fluxo energético, de forma propiciar
uma melhor regulação das emoções, um contato mais prazeroso com a sexualidade e
a vivacidade/espiritualidade.
Em
termos epistemológicos, as psicoterapias corporais estão enraizadas nas escolas
psicodinâmicas, advindas da psicanálise freudiana. Reich foi um discípulo de
Freud e trabalhou ativamente, no início de sua carreira na década de 1920, no
desenvolvimento de estratégias técnicas mais eficientes no trabalho clínico da
Psicanálise. Assim, as psicoterapias corporais acreditam na dimensão
inconsciente do psiquismo, em que a constituição dos mecanismos de defesa do
caráter é estruturada nas diversas etapas do desenvolvimento psicossexual da
criança (oral, anal, fálica, latência), culminando no Complexo de Édipo.
O
próprio conceito de energia nas abordagens deriva da inquietação de Reich com a
ideia de libido, considerada por Freud como a energia que é investida em si
mesmo e nos objetos e dá movimento afetivo ao psiquismo. Com as investigações
biológicas de Reich sobre a sexualidade humana, o autor associa libido com a
bioenergia metabólica, base de todas as células vivas pulsantes. Pulsão é
interpretada como pulsação de vida, subdividida em dois grandes fluxos:
contração, caracterizada em uma volta do organismo vivo para dentro, perdendo o
contato com o ambiente; expansão, que é o movimento em direção para fora, para
o contato com o mundo.
Outro
ponto importante, em termos de herança que as psicoterapias corporais assimilam
da Psicanálise, diz respeito aos fenômenos de transferência, resistência e
contratransferência no espaço terapêutico. Como sabemos, a transferência,
grosso modo, implica em projeções de expectativas infantis, de padrões de
vínculo, que são atribuídas do paciente ao psicoterapeuta na situação clínica.
A contratransferência relaciona-se ao movimento contrário, projeções
emocionais, geralmente infantis, do psicoterapeuta para o paciente.
Esses
processos são considerados, na abordagem, como uma forma de resistência, ou
seja, estão a serviço dos mecanismos de defesa do caráter para evitar o contato
com as emoções de frustração e desviar a atenção das intervenções terapêuticas,
como uma forma de sabotar o trabalho clínico. Esses aspectos são trabalhados
continuamente como movimentos emocionais e energéticos, por meio de uma aliança
inicial com a resistência e o sistema de defesas infantis e psicossomáticos dos
clientes, pois são considerados mecanismos de sobrevivência emocional para
evitar a dor. A proposta é facilitar o processo de expressão da angústia e,
posteriormente, realizar confrontações que sejam necessárias para flexibilizar
a rigidez e os padrões limitantes de visão de si mesmo e das relações.
Abordaremos,
de maneira sintética as principais escolas de psicoterapias corporais, mais
conhecidas em nosso país:
Vegetoterapia Caracteroanalítica:
também definida como Análise Reichiana, advém dos desdobramentos técnicos
elaborados por Wilhelm Reich e, posteriormente, sistematizados pelos
psiquiatras Ola Raknes e Federico Navarro, a partir dos anos 60. Nessa
abordagem, o psicoterapeuta faz um diagnóstico diferencial de estruturação dos
mecanismos de defesas de caráter do paciente, bem como a leitura corporal do
encouraçamento, que acontece por meio de entrevistas iniciais de anamnese e
análise da busca do paciente pela psicoterapia. É elaborado um plano de ação
terapêutica a partir da compreensão caracterial do paciente, que obedece um
padrão sistemático de flexibilização e desbloqueio dos diferentes segmentos de
contração neuromuscular no corpo, seguidos de verbalização e análise somatopsicodinâmica.
As intervenções são definidas como actings: movimentos neuromusculares de
ativação que buscam ampliar a percepção do encouraçamento e restaurar a
pulsação, através de descargas emocionais neurovegetativas;
Análise Bioenergética: Criada
por Alexander Lowen na década de 1950, nos EUA, essa abordagem parte dos
principais pressupostos reichianos, com algumas reformulações centrais. A
principal delas diz respeito à sistematização da teoria do desenvolvimento das
defesas de caráter, considerando os diferentes momentos evolutivo do
desenvolvimento psicossexual da criança. Lowen elabora cinco tipologias de
caráter, que são: equizoide, oral, narcisista/psicopático, masoquista e rígido,
com um estudo detalhado sobre sua etiologia, constelação psicodinâmica,
características defensivas, leitura corporal das couraças e projetos
terapêuticos para cada uma dessas estruturas. Sua principal contribuição
terapêutica diz respeito ao trabalho com o grounding, definido como aterramento
– a capacidade que a pessoa tem de sustentar-se na vida, observada a partir do
contato que o paciente tem com suas pernas e pés no chão. Inicia-se um novo
paradigma de ação terapêutica que não se restringe, como na Vegetoterapia, a
intervenções com o paciente na posição deitada no divã, mas chamando o paciente
para ficar também de pé, considerada uma posição progressiva e ativa mediante a
vida. Lowen também elaborou uma série muito rica e criativa de intervenções
terapêuticas, na forma de exercícios de mobilização muscular e técnicas de enfatizam
o contato e expressão das emoções, seja na forma individual ou em grupos de
movimento;
Psicologia Biodinâmica:
Elaborada por Gerda Boyesen na Noruega, nos anos 1950, e desenvolvida em
Londres a partir da década de 60. A Psicologia Biodinâmica trabalha com o
pressuposto que existe uma digestão psicossomática da vida, ou seja, os
intestinos seriam um centro importante no processamento da energia corporal e
das emoções, sendo afetados diretamente pelos traumas e estresses nos processos
de desenvolvimento. Para Gerda, o objetivo terapêutico está focado no trabalho
da recuperação da pulsação psicoperistáltica, ou seja, de propiciar, por meio
da conversa terapêutica, do trabalho suave com a musculatura e diversas
manobras de toques e massagens, um melhor funcionamento intestinal, que
repercutiria na melhoria do funcionamento do organismo como um todo,
propiciando uma limpeza das toxinas emocionais. Uma grande contribuição da
Biodinâmica está na hipótese da existência de couraças viscerais e dos tecidos,
para além das couraças musculares, enfatizadas por Reich;
- Psicologia Formativa: Elaborada por Stanley Keleman a partir da década de 70 nos EUA, possui uma perspectiva somática-existencial, tendo como base uma visão fenomenológica do corpo vivo: sede de toda a experiência, que busca cada vez mais forma em sua pulsação. Keleman elabora uma compreensão da dinâmica e formação processual do organismo, visto em sua arquitetura tissular geneticamente programada, finita, em permanente construção e desconstrução, pulsando segundo afetos, com tubos dentro de tubos, com suas câmaras e válvulas, sempre em busca de mais vida, inflando, esvaziando, adensando, enrijecendo de acordo com as experiências emocionais. Elabora estudos sobre a anatomia emocional e os padrões de distresse somático, que deformam o corpo, seja inflando ou adensando os seus tecidos. Trabalha com um método de construção e conscientização contínua das polaridades de pulsação corporificada no corpo;
Biossíntese:
Criada por David Boadella, na década de 70, na Suíça, recebe influências de
todas as abordagens anteriores, tendo em vista que o autor possuiu experiências
e formação em todas elas. A Biosssíntese é definida como Integração da Vida e
constitui-se como um sistema aberto de conhecimento e práticas terapêuticas na
abordagem corporal, que tenta dialogar com as diferentes correntes de
pensamento reichianas e neorreichianas. Traz como um grande diferencial a influência
da psicologia pré-natal na compreensão da subjetividade humana, possuindo uma
visão embriológica da personalidade, entendida a partir dos diferentes
folículos embrionários que configuram três grandes dimensões de nossa
existência: ectoderma (responsável pela formação da pele e sistema nervoso –
configurando nossa dimensão de pensamento); mesoderma (responsável pela
musculatura e sistema ósseo – configurando a dimensão de movimento) e ectoderma
(responsável pela formação das vísceras e tecidos profundos – responsável pela
dimensão sentimento). Recebe influência dos autores da teoria das relações
objetais, enfatizando a importância e complexidade das relações mãe/bebê na
constituição do psiquismo, reformulando a necessidade de intervenções corporais
que sigam o fluxo próprio de ressonância com os pacientes. A partir da leitura embriológica,
há uma reformulação dos princípios terapêuticos de acordo com o sentido
integrador dos clientes, que são: facing/sounding (ectdodérmicos – trabalho com
o contato de voz e visual com os pacientes); grounding (mesodérmico – ampliação
do conceito elaborado por Lowen, considerando todas as formas de sustentação no
próprio corpo) e centering (endodérmico – focalizado na respiração, meditação e
autopercepção consciente do corpo e funcionamentos internos).
Como
vimos, as psicoterapias corporais possuem um enorme escopo de atuação e uma
diversidade muito rica em seus pressupostos teóricos e técnicos. É importante
ressaltar que cada uma dessas abordagens possui institutos internacionais que
pensam a sua formação e produzem muito material de reflexão a partir das novas
descobertas na clínica, além de promover muitos eventos nos Brasil e exterior.
Atualmente todas as abordagens possuem diálogos muito profícuos com os autores
da neurociência e da neuropsicologia das relações interpessoais, tais como
Allan Schore, Daniel Siegel, Stephen Porges, Antonio Damasio, Louis Cozolino,
entre outros, que participam como conferencistas nos congressos e trazem
contribuições que comprovam a eficácia de seus pressupostos
Finalizamos
nosso texto convidando para visitarem os sites de diferentes instituições das
abordagens aqui citadas no país, onde poderão encontrar diversas informações,
materiais para leitura, cursos de formação clínica, atualização e capacitação.
Referências:
Vegetoterapia Caracteroanalítica: www.centroreichiano.com.br www.institutoibar.com.br
Análise Bioenergética: www.bioenergetica.com.br www.analisebioenergetica.com www.analisebioenergetica.com.br
www.libertas.com.br
Biossíntese: www.biossintesenatal.com.br www.biossintesebahia.com.br www.biosssintese.wordpress.com
Psicologia Biodinâmica: www.ibpb.com.br
Psicologia Formativa: www.psicologiaformativa.com.br
www.laboratoriodoprocessoformativo.com
* Doutor
em Psicologia Clínica – PUCSP, Professor Adjunto do Curso de Psicologia da
Universidade Estadual do Piauí, Local Trainer e Supervisor Certificado pelo
Instituto Internacional de Análise Bioenergética, onde é Coordenador do Comitê
Internacional de Pesquisa.
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