*Joana Soromenho e **Antonio Cesar
Soromenho
Imagem: Créditos Pixabay
Os estudos em Psicomotricidade surgiram no final do Século XVIII, quando Itard,
médico francês, ficou famoso pelo trabalho que desenvolveu com a reeducação de uma criança selvagem encontrada na
cidade de Aveyron, França. Esta criança chamada de Víktor, foi encontrada com
dez anos, tendo sido criada por lobos durante todo o seu desenvolvimento até
então. Itard acreditava que os problemas de desenvolvimento apresentados pela
criança tinham origem, não em fatores de ordem biológica
e genética, mas no fato de não ter estado integrada na sociedade humana (FONSECA,
2008).
Víktor durante os seus
quarenta anos de vida é diagnosticado com idiotismo. Mesmo após trinta anos a
ser estudado por médicos, nunca conseguiu,
apesar do treino diário, apresentar uma postura bípede, plantar os pés
no chão, desenvolver uma comunicação oral adequada, comer com talheres, para além de várias outras funções que
eram “expectáveis”, na época, para um adequado convívio em sociedade. Em função
de todos esses comprometimentos e das dificuldades na aprendizagem de novos
comportamentos, Víktor desenvolveu, a nível fisiológico, algumas características
bem marcantes e visíveis tais como dentição para arrancar e rasgar a pele (como
os lobos). Os estudos sobre o menino de Aveyron foram revolucionários para
a sociedade inatista da época pois a partir daí surgiram novos estudos e
conceitos como psiquismo, motricidade, estudos sobre o desenvolvimento humano
passando da ação curativa para a ação psicodinâmica, que quebraram o dualismo
mente/corpo. Os progressos obtidos por Viktor no processo de reeducação
constituem, ainda hoje, um testemunho precioso.
A História do
desenvolvimento humano abrange os quatro grandes pilares da Psicomotricidade:
a macro, oro, micro e grafomotricidade. Durante muito tempo fomos coletores,
esperávamos os animais de maior porte saciarem e coletávamos os seus restos para
podermos nos alimentar. Éramos de maior porte do que somos hoje. A nossa
história de desenvolvimento se inicia na macromotricidade e, com o
passar do tempo, houve uma maturação e desenvolvimento neurofisiológico tendo
havido uma redução na caixa craniana e no porte físico. Surgiram, então, os
movimentos finos e começamos a desenvolver instrumentos, a criar novas
estratégias de planejamento de caça, fazer casas nas árvores e, com o uso
desses recursos, passamos a ser mais efetivos em assegurar a nossa sobrevivência,
alimentação, procriação, dando início assim à construção de comunidades o que representou
o ponto de partida para o desenvolvimento da nossa oromotricidade. O nosso aparelho oromotor
foi evoluindo enquanto as formas de comunicação e o repertório de palavras e
símbolos era ampliado. Foi através dessa evolução que começamos a escrever a
nossa história nas paredes através da maturação e desenvolvimento da função
psicomotora mais complexa que nos diferencia de fato de todos os outros
animais, a grafomotricidade. Tudo isso ocorreu em função da maturação do
nosso lobo frontal, hipotálamo, lobo parietal, occipital, glândula pituitária e
tronco encefálico bem como do desenvolvimento do nosso córtex motor que envia as
informações para a ação motora. Deste modo, a Psicomotricidade como intervenção denota
a necessidade de mobilizar e reorganizar as funções psíquicas, relacionais,
emocionais do indivíduo, em todo a sua dimensão desde, bebê até a fase adulta,
melhorando a conduta consciente e o ato mental, onde está inerente a elaboração
e execução do ato motor (COSTA, 2009).
A psicomotricidade tem
por base um grupo de autores europeus, russos e norte-americanos. Entre os europeus destacam-se: Wallon, que
define os prelúdios psicomotores do pensamento. Piaget, com a embriologia
mental e motora. Ajuriaguerra, com a concepção do corpo e a organização
psicomotora de base. Havendo contribuições científicas recentes que continuam
esclarecendo questões da nossa área, tais como os estudos do português António
Damásio.
Os principais autores
russos são: Vygotsky, perspectiva sócio-histórica da psicomotricidade. Luria, com
a organização neurofuncional da psicomotricidade. Bernstein, com a ideias sobre coordenação e
regulação cibernética da psicomotricidade e Zaporozhets e Elkonin que
classificam a evolução dos hábitos motores.
Dentre os autores norte-americanos,
destacam-se: Kephart, sobre aquisição e generalização motora; Cratty e a
pirâmide do comportamento perceptivo motor. Getman, sobre o complexo visuomotor.
Frostig, com as habilidades visuoperceptivas; Barsch e a teoria movigenética. Cruickshank
que esclarece sobre disfunções perceptivomotoras e disfunção cerebral e por fim
Ayres, com a teoria da integração sensorial.
Na Avaliação e
intervenção Psicomotora, o psicomotricista se propõe a intervir nos fatores classificados
por Luria. Segundo Luria, existem sete fatores que trabalham em conjunto, de
forma integrada, e que contribuem para a organização psicomotora global. A
organização destes sete fatores acontece através de uma hierarquia vertical (FONSECA,
1995).
A tonicidade ocorre
através de aquisições neuromusculares, conforto tátil e integração de padrões
motores antigravídicos (muito presente do nascimento aos 12 meses); a
equilibração se manifesta na aquisição da postura bípede, segurança
gravitacional, e desenvolvimento de padrões locomotores (dos 12 meses aos 2
anos); a lateralização se dá através da integração sensorial,
investimento emocional, desenvolvimento das percepções difusas e dos sistemas
aferentes e eferentes (dos 2 aos 3 anos); a noção do corpo ocorre
através da noção do Eu, conscientização corporal, percepção corporal, condutas
de imitação (dos 3 aos 4 anos); a estruturação espaço temporal se
manifesta por meio do desenvolvimento da atenção seletiva, do processamento de
informações, coordenação espaço-corpo, proficiência da linguagem (dos 4 aos 5
anos); a praxia global ocorre através da coordenação
oculomanual e oculopedal, planificação motora, integração rítmica (dos 5 aos 6
anos); a praxia fina através da concentração, organização,
especialização hemisférica (dos 6 aos 7 anos).
A intervenção
Psicomotora pode ser aplicada em três modelos e contextos: o educativo
que promove o desenvolvimento psicomotor e o potencial de aprendizagem; o reeducativo
ou terapêutico que ultrapassa problemas que comprometam a adaptabilidade, o
desenvolvimento, a aprendizagem e o preventivo que visa a estimulação do
desenvolvimento, melhorias e manutenção das competências de autonomia.
Quando falamos em
intervenção, partimos do pressuposto que foi feita uma avaliação rigorosa das
funções daquele indivíduo, um planejamento adequado para maximizar habilidades
e potencialidades e minimizar dificuldades com objetivos bem específicos para
cada caso. No entanto, como objetivos gerais, podemos classificar a intervenção
psicomotora com os objetivos de mobilizar e reorganizar as funções psíquicas,
relacionais, emocionais do indivíduo, em toda a sua dimensão durante toda a
vida; melhorar a conduta consciente e o ato mental, onde está inerente a
elaboração e execução do ato motor; fazer com que as sensações e as percepções
passem a níveis de consciencialização, simbolização e conceptualização;
harmonizar e aumentar o desenvolvimento global da personalidade e de
adaptabilidade social, ou seja, o potencial motor, afetivo-relacional e
cognitivo e fazer do corpo uma síntese integradora da personalidade onde ocorre
harmonia entre as relações do psíquico e da globalidade motora.
Concluindo,
“A aprendizagem humana começa por ser motora: macro,
micro, oro, grafo e sociomotora. Antes de aprender a ler, escrever e calcular,
todo o ser humano precisa integrar psiquicamente ou superiormente as
experiências motoras e espaciais. Sem tal organização e orientação, as
dificuldades de aprendizagem tem mais probabilidade de ocorrer, o que é
confirmado pelos diversos autores que citamos.” (FONSECA; OLIVEIRA, 2009).
Referências:
FONSECA, V. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem.
Porto Alegre: Artmed, 2008.
COSTA, D. F. Psicomotricidade na educação infantil.
2009. Disponível em: https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/psicomotricidade_na_educacao_infantil_0.pdf.
Acesso em: 27 abr. 2019.
FONSECA, Vitor; OLIVEIRA, Joana.
”Aptidões Psicomotoras e de Aprendizagem”. Ed. Âncora, 2009, p.24.
Autores:
*Joana Soromenho de Oliveira (Pedagoga, Psicomotricista,
Psicopedagoga). Licenciatura em Pedagogia – Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Brasil. Pós-gradução em
Psicopedagogia EPCE- Teresina, PI, Brasil. Certificado Internacional de
Psicomotricidade – CISTC no Institut Supérieur de Rééducation Psychomotrice
ISRP, Organisation Internationale de Psychomotricité et de Relaxation, OIPR,
Paris, França.Especialista em Educação Especial pela FMH-Universidade Técnica
de Lisboa, Portugal.
**Antonio Cesar Soromenho Santos de
Oliveira (Psicólogo
CRP 21/04062. Especialista em Psicomotricidade com Ênfase em Educação Especial –
IMPAR. Especializando em Neuropsicologia – IPOG. Professor de Orientação
Profissional. Sócio da Clínica Soromenho. Membro da comissão de Psicologia do
Esporte CRP-21. Idealizador do Modelo TEA Jutsu.