*Por Eleonardo Rodrigues
O estudo da personalidade motiva a atenção tanto da população em geral quanto do mundo acadêmico. No campo das psicoterapias e recente surgimento das neurociências há um esforço de melhor compreensão terapêutica da fenomenologia da personalidade circundando o entendimento harmonioso dos conceitos de traços, temperamento e caráter quando desadaptados do limite do sujeito, favorecem os respectivos transtornos de personalidade.
A Personalidade é construída dinamicamente com os construtos do temperamento e caráter. O temperamento refere-se à parte mais inata e instintiva, com raízes no comportamento biológico. Existem evidências de que certos tipos de temperamento e padrões comportamentais estão presentes desde o nascimento. Tais características favorecem tendências que podem ser ampliadas ou diminuídas de acordo com a experiência do indivíduo.
O caráter constitui o conjunto das disposições individuais considerado em seu possível desenvolvimento psicossocial, aprendido no meio ambiente que influem na personalidade, ou seja, ele representa uma maneira de ser potencial, dinâmica, voltada para o futuro (Rodrigues, 2010).
O conceito de personalidade, por outro lado, envolve um estilo de vida multidimensional no qual as tendências inatas do indivíduo interagem com o meio ambiente para produzir sentimentos, pensamentos e comportamentos de uma perspectiva subjetiva.
De acordo com Beck (2005), os padrões estáveis que constituem a personalidade refletem estratégias que foram construídas na adaptação do sujeito ao mundo. Na interação com o contexto e figuras de referência, o indivíduo desenvolve maneiras de se adaptar, em um processo contínuo de aprendizagem.
Concepções primitivas e primárias são formadas. Fatores genéticos também atuam, mas podem ser exacerbados ou minimizados dependendo das interações com o ambiente. As experiências de tenra infância são importantíssimas, pois são as fontes dos primeiros esquemas mentais. Essa aprendizagem terá forte influência determinante sobre o modus operandi do sujeito. Ao longo da vida, novos esquemas podem ser formados e antigos podem ser reformulados.
O
que é trauma?
Trauma constitui prejuízo e estado mental ou comportamental
desorganizados, causados por estresse psicológico ou físico, relacionados a
eventos que provoquem medo agudo ou crônico. Corroboram com essa ideia
difundida de forma incipiente sobre trauma e memória na etiologia da histeria,
Martin Charcot, Pierre Janet e Sigmund Freud, no final do século XIX, os
mesmo argumentam que o trauma psicológico é resultante de uma
situação vivenciada, testemunhada ou confrontada pelo
indivíduo, na qual houve ameaça à vida ou à integridade física e/ou psicológica
de si próprio ou de pessoas a ele ligadas (Rodrigues, 2010).
Abuso
ou maus-tratos em crianças estão associados a um risco substancialmente aumentado de
psicopatologia na adolescência e vida adulta. Assim,
diferentes aspectos estão envolvidos na sintomatologia do Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT), tal como: a natureza do evento traumático, o número de
exposições, a vulnerabilidade do indivíduo e a reação desse frente ao
estressor, a rede de proteção após o evento.
Maus-tratos
são um fenômeno complexo, que se manifesta em contextos de pobreza familiar,
conhecimento e habilidade inadequada dos pais em relação ao desenvolvimento e
cuidado infantil, interrupções nas relações pais-filhos, funcionamento
psicológico parental comprometido.
Efeito
do trauma no cérebro
Andreasen (2005) e Rodrigues et al. (2011), sugerem que o TEPT é
um exemplo claro da influência das experiências psicológicas sobre as reações
neurobiológicas.
A exposição a traumas desencadeia uma série de eventos que
influenciam as vias cerebrais de alerta por meio da amígdala; a
liberação de adrenalina e cortisol pode produzir lesões no hipocampo. De
acordo com Rodrigues (2010), estudos confirmam que indivíduos
maltratados tem maior prevalência em transtornos depressivos, ansiosos e
por uso de substâncias, maior risco de suicídio e pior resposta ao tratamento
do que indivíduos não maltratados com os mesmos diagnósticos.
Tratamento
Do ponto de vista
terapêutico, diante de um paciente que vivenciou trauma significativo, é
preciso focar o tratamento no apoio e encorajamento para a discussão do evento
traumático. É útil educá-lo com relação aos mecanismos de manejo de afetos,
cognições e comportamentos. As psicoterapias são uma alternativa viável para
esses fins. Além de suas fundamentações filosóficas, podem ser utilizadas
técnicas como a exposição ao evento estressor e relaxamento.
Em relação as
intervenções preventivas, sugerem-se intervenções de curto prazo logo
em seguida ao nascimento, focada no aumento da autoconfiança dos pais e
intervenções realizadas por profissionais especializados. Para intervenções de modificação do trauma,
focar na melhoria das habilidades parentais e intervenções que fornecem suporte
social e emocional.
Contudo,
todos nós estamos sujeitos ou fomos sujeitos a situações traumáticas. Negar
esse evento para os outros não esconderá de você. Você não é culpado pelo ocorrido.
Há uma tendência de as pessoas mais velhas reassegurarem que passaram por
situações difíceis e não se traumatizaram, mas não percebem e nem aceitam que alguns
de seus comportamentos atuais são reações frente aos traumas. O perdão é uma
atitude nobre que pode nos libertar. A terapia é um lugar seguro que
possibilitará uma mudança na forma de você sentir e pensar sobre o trauma e
utilizar recursos mais significativos para a mudança necessária.
Para
aprofundamento veja as referências e assista ao bate-papo em forma de live em
meu canal no Instagram: @eleonardorodrigues.
Referências:
Andreasen,
N. C. (2005). Admirável cérebro novo: vencendo a doença mental na era do
genoma. Trad. Ronaldo Cataldo Costa. Artmed.
Beck, A. T. Teoria dos transtornos da personalidade. In: Beck, A. T.; Freeman, A.; Davis, D. D. (2005). Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade; trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2.ed. Artmed.
Rodrigues,
Eleonardo Pereira. Volume do hipocampo no transtorno de personalidade
Bordeline com e sem transtorno de estresse pós-traumático: revisão sistematica
e metanálise. (2010). 77f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal da
Bahia. Faculdade de Medicina. Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde.
Salvador – BA.
Rodrigues,
E., Wenzel, A., Ribeiro, M. P., Quarantini, L. C., Miranda-Scippa, A., de Sena,
E. P., & de Oliveira, I. R. (2011). Hippocampal volume in borderline
personality disorder with and without comorbid posttraumatic stress disorder: a
meta-analysis. European psychiatry: the journal of the Association of
European Psychiatrists, 26(7), 452–456. https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2010.07.005.
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