segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Traumas e suas repercussões na personalidade

*Por Eleonardo Rodrigues

 

O estudo da personalidade motiva a atenção tanto da população em geral quanto do mundo acadêmico. No campo das psicoterapias e recente surgimento das neurociências há um esforço de melhor compreensão terapêutica da fenomenologia da personalidade circundando o entendimento harmonioso dos conceitos de traços, temperamento e caráter quando desadaptados do limite do sujeito, favorecem os respectivos transtornos de personalidade.

A Personalidade é construída dinamicamente com os construtos do temperamento e caráter. O temperamento refere-se à parte mais inata e instintiva, com raízes no comportamento biológico. Existem evidências de que certos tipos de temperamento e padrões comportamentais estão presentes desde o nascimento. Tais características favorecem tendências que podem ser ampliadas ou diminuídas de acordo com a experiência do indivíduo.

O caráter constitui o conjunto das disposições individuais considerado em seu possível desenvolvimento psicossocial, aprendido no meio ambiente que influem na personalidade, ou seja, ele representa uma maneira de ser potencial, dinâmica, voltada para o futuro (Rodrigues, 2010).

O conceito de personalidade, por outro lado, envolve um estilo de vida multidimensional no qual as tendências inatas do indivíduo interagem com o meio ambiente para produzir sentimentos, pensamentos e comportamentos de uma perspectiva subjetiva.

De acordo com Beck (2005), os padrões estáveis que constituem a personalidade refletem estratégias que foram construídas na adaptação do sujeito ao mundo. Na interação com o contexto e figuras de referência, o indivíduo desenvolve maneiras de se adaptar, em um processo contínuo de aprendizagem.

Concepções primitivas e primárias são formadas. Fatores genéticos também atuam, mas podem ser exacerbados ou minimizados dependendo das interações com o ambiente. As experiências de tenra infância são importantíssimas, pois são as fontes dos primeiros esquemas mentais. Essa aprendizagem terá forte influência determinante sobre o modus operandi do sujeito. Ao longo da vida, novos esquemas podem ser formados e antigos podem ser reformulados.

Créditos: Pixaby

O que é trauma?

Trauma constitui prejuízo e estado mental ou comportamental desorganizados, causados por estresse psicológico ou físico, relacionados a eventos que provoquem medo agudo ou crônico. Corroboram com essa ideia difundida de forma incipiente sobre trauma e memória na etiologia da histeria, Martin Charcot, Pierre Janet e Sigmund Freud, no final do século XIX, os mesmo argumentam que o trauma psicológico é resultante de uma situação vivenciada, testemunhada ou confrontada pelo indivíduo, na qual houve ameaça à vida ou à integridade física e/ou psicológica de si próprio ou de pessoas a ele ligadas (Rodrigues, 2010).

Abuso ou maus-tratos em crianças estão associados a um risco substancialmente aumentado de psicopatologia na adolescência e vida adulta. Assim, diferentes aspectos estão envolvidos na sintomatologia do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), tal como: a natureza do evento traumático, o número de exposições, a vulnerabilidade do indivíduo e a reação desse frente ao estressor, a rede de proteção após o evento.

Maus-tratos são um fenômeno complexo, que se manifesta em contextos de pobreza familiar, conhecimento e habilidade inadequada dos pais em relação ao desenvolvimento e cuidado infantil, interrupções nas relações pais-filhos, funcionamento psicológico parental comprometido.

Efeito do trauma no cérebro

Andreasen (2005) e Rodrigues et al. (2011), sugerem que o TEPT é um exemplo claro da influência das experiências psicológicas sobre as reações neurobiológicas.

A exposição a traumas desencadeia uma série de eventos que influenciam as vias cerebrais de alerta por meio da amígdala; a liberação de adrenalina e cortisol pode produzir lesões no hipocampo. De acordo com Rodrigues (2010), estudos confirmam que indivíduos maltratados tem maior prevalência em transtornos depressivos, ansiosos e por uso de substâncias, maior risco de suicídio e pior resposta ao tratamento do que indivíduos não maltratados com os mesmos diagnósticos.

Tratamento

            Do ponto de vista terapêutico, diante de um paciente que vivenciou trauma significativo, é preciso focar o tratamento no apoio e encorajamento para a discussão do evento traumático. É útil educá-lo com relação aos mecanismos de manejo de afetos, cognições e comportamentos. As psicoterapias são uma alternativa viável para esses fins. Além de suas fundamentações filosóficas, podem ser utilizadas técnicas como a exposição ao evento estressor e relaxamento.  

            Em relação as intervenções preventivas, sugerem-se intervenções de curto prazo logo em seguida ao nascimento, focada no aumento da autoconfiança dos pais e intervenções realizadas por profissionais especializados.  Para intervenções de modificação do trauma, focar na melhoria das habilidades parentais e intervenções que fornecem suporte social e emocional.  

            Contudo, todos nós estamos sujeitos ou fomos sujeitos a situações traumáticas. Negar esse evento para os outros não esconderá de você. Você não é culpado pelo ocorrido. Há uma tendência de as pessoas mais velhas reassegurarem que passaram por situações difíceis e não se traumatizaram, mas não percebem e nem aceitam que alguns de seus comportamentos atuais são reações frente aos traumas. O perdão é uma atitude nobre que pode nos libertar. A terapia é um lugar seguro que possibilitará uma mudança na forma de você sentir e pensar sobre o trauma e utilizar recursos mais significativos para a mudança necessária.

 

 

Para aprofundamento veja as referências e assista ao bate-papo em forma de live em meu canal no Instagram: @eleonardorodrigues.

 

Referências:

 

Andreasen, N. C. (2005). Admirável cérebro novo: vencendo a doença mental na era do genoma. Trad. Ronaldo Cataldo Costa. Artmed.

Beck, A. T. Teoria dos transtornos da personalidade. In: Beck, A. T.; Freeman, A.; Davis, D. D. (2005). Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade; trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2.ed. Artmed.

Rodrigues, Eleonardo Pereira. Volume do hipocampo no transtorno de personalidade Bordeline com e sem transtorno de estresse pós-traumático: revisão sistematica e metanálise. (2010). 77f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina. Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde. Salvador – BA.    

Rodrigues, E., Wenzel, A., Ribeiro, M. P., Quarantini, L. C., Miranda-Scippa, A., de Sena, E. P., & de Oliveira, I. R. (2011). Hippocampal volume in borderline personality disorder with and without comorbid posttraumatic stress disorder: a meta-analysis. European psychiatry: the journal of the Association of European Psychiatrists26(7), 452–456. https://doi.org/10.1016/j.eurpsy.2010.07.005.


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