Por *João Damasceno Neto
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Medo e ansiedade são experiências comuns à humanidade por ter
servido à sobrevivência dos indivíduos e consequentemente da espécie.
Pesquisadores diversos apresentam conceitos diferentes para medo e ansiedade. Beck
e Clarck estabelecem que o medo é uma reação primária, automática,
pré-consciente e involuntária a um perigo iminente, envolvendo aspectos
atencionais, perceptivos, fisiológicos e comportamentais. A ansiedade é uma
experiência mais complexa porque inclui elementos conceituais além de se
reportar ao porvir, está implicada, portanto, com uma previsão do que
acontecerá.
As
experiências de medo estão intimamente relacionadas com nossa filogenia, por
isso podem ser consideradas primárias. Beck e Clarck, na revisão que fizeram da
teoria cognitiva da ansiedade, consideraram útil para a explicação desse
processo, falar de um modo de funcionar do organismo humano que batizou de modo
de orientação. Modo é um conjunto de esquemas integrados, simultâneos, retroalimentativos
e automáticos acionado frente a eventos vivenciados por uma pessoa. Modo de
orientação é um conjunto de esquemas que rastreia os ambientes externo e
interno. Com esse modo o sujeito busca identificar sinais negativos, positivos
ou neutros, ou seja, suas valências e também sua intensidade como forte ou
grave, intermediária, fraca ou amena.
As
características do funcionamento automático e pré-consciente do modo de
orientação têm respaldo em achados de neurocientistas que pesquisaram as
emoções e os processos neurofisiológicos envolvendo o sistema límbico. Aqui
destaco os trabalhos de LeDoux, Davis, Anderson, Phelps entre outros. Esses
pesquisadores descobriram que os processos sensoriais partem dos órgãos dos
sentidos, como olhos e ouvidos, e enviam as informações para o tálamo. Esse
órgão faz uma rápida avaliação pré-consciente e envia as informações para a
amígdala por via direta e rápida. A amígdala é um órgão importante para a
produção das reações subjetivas e objetivas do medo e da ansiedade. Nesse
sentido, o construto cognitivo de modo de orientação tem apoio de duas fontes
de conhecimentos diferentes: a ciência evolutiva e a neurociência.
O modo de
orientação, por fatores genéticos, pode ser mais sensível a detectar sinais
negativos, predispondo o indivíduo a transtornos de ansiedade. Essa
vulnerabilidade não é o único fator determinante desse tipo de problema
psicológico. Outro modo de funcionamento primitivo, pré-consciente, automático
e involuntário é acionado pelo modo de orientação, denominado modo de ameaça. O
modo de ameaça é constituído por esquemas cognitivos conceituais de ser fraco
quanto à ameaça e expectativas catastróficas; esquemas fisiológicos típicos de
ansiedade; esquemas comportamentais de luta, fuga, esquiva ou congelamento; esquemas
motivacionais básicos e psicossociais como metas e intenções e esquemas
afetivos ansiogênicos.
Esse modo
funcional primitivo, acionado automaticamente pela detecção de sinais negativos
pelo modo de orientação, produz consequências perpetuadoras dos estados de
ansiedade, através dos vários esquemas supracitados: O esquema cognitivo induz
a pensamentos automáticos e distorções cognitivas que maximiza o perigo e a
catástrofe e minimiza o potencial do sujeito, interpretando o evento de forma
irrealista, bem como a fisiologia e os sentimentos como provas da grandeza da
ameaça e fragilidade para o enfrentamento. As distorções referem-se a um tipo
de processamento de informação vicioso que não leva em conta todos os dados
relevantes da realidade para determinada situação, É o que ocorre com a
maximização dos fatos que confirmam o perigo e minimização daqueles que o
redimensionariam para dimensão mais realista, ao reduzir os recursos pessoais e
sociais de enfrentamento. Há muitos outros processamentos que distorcem a
realidade. O esquema fisiológico leva à excitação das reações autonômicas. O
esquema comportamental seleciona respostas inibitórias e defensivas de fuga ou
esquiva. Essas respostas impedem que o sujeito cunhe fatos que contrariem suas
crenças e pensamentos automáticos.
A questão
que se levanta é: se o modo de orientação é considerado universal por ser uma
herança evolutiva importante para a sobrevivência, mas por questões genéticas
ou congênitas pode estar enviesado para a detecção de sinais negativos, sendo
capaz de subitamente acionar o modo primitivo de ameaça que também se
desencadeia de forma pré-consciente, involuntária, reflexa e rápida, de tal
maneira que é quase simultâneo ao modo de orientação, qual é mesmo o papel da
terapia cognitiva nos transtornos de ansiedade?
A resposta a
essa questão envolve a capacidade humana de reavaliar os eventos externos e
internos, ou seja, reexaminar percepções, pensamentos e conclusões iniciais
rápidas através de um processo secundário mais lento, reflexivo, voluntário,
mais trabalhoso e elaborado. A psicologia cognitiva classifica esse processo
secundário de metacognitivo, uma vez que as cognições iniciais como as
percepções e os pensamentos automáticos serão revisados por cognições mais
complexas que levam em conta a coerência lógica e um maior número de fatos
relevante para uma conclusão mais próxima da realidade. Esse uso do raciocínio
lógico é semelhante ao usado pelos cientistas na produção das várias ciências,
no entanto é bastante possível de ser usado pela maioria de nós mesmo no
dia-a-dia.
Na verdade,
o exame secundário dos medos e ansiedades que nós sentimos a partir do modo de
orientação e do modo primitivo de ameaça sempre ocorrem. A forma como essa
avaliação é feita é que fará grande diferença quanto ao resultado numa forma
mais realista e funcional de lidar com essas emoções e com o mundo ou na
consolidação e perpetuação de um transtorno de ansiedade específico. A
neurociência também corrobora com esse construto cognitivista. Os mesmos
pesquisadores da neuropsicologia das emoções referenciados acima também afirmam
que dos órgãos dos sentidos, as informações ao chegarem ao tálamo também fazem
um trajeto mais longo antes de chegar à amígdala, conhecido como via indireta.
Isto é, ao chegar ao tálamo, as informações atingem o córtex sensório-perceptivo
correspondente onde são analisadas e avaliadas pormenorizadamente para então
atingirem a amígdala. Trata-se de um caminho mais longo. Esse trajeto inclui
também o córtex pré-frontal, importante para o raciocínio e na ação inibitória
à hiperativação da amígdala.
Caso o exame
secundário seja fortemente prejudicado pelo modo de orientação e pelo modo
primitivo de ameaça, seu resultado não adquire plausibilidade e por isso não
consegue fazer frente àqueles modos superativados. Isso prejudica uma avaliação
mais realista das capacidades pessoais de enfrentamento o que pode fazer o
sujeito se esquivar ou agir de modo hesitante, produzindo resultados ruins que
confirmam os esquemas. Nessa situação em que submetemos o exame secundário
consciente a esses modos, tendemos a buscar sinais de segurança que reduzem
imediatamente a ansiedade, sem desenvolver formas eficazes de enfrentamento.
Esse processo também perpetua a ansiedade, pois o sujeito confirma
continuamente que o evento é perigoso e não percebe e nem desenvolve suas
estratégias eficazes de enfrentamento, mantendo seu autoconceito negativo.
Respondendo
mais diretamente ao questionamento feito acima. A terapia cognitiva pretende
agir nesse processo de exame secundário, por se tratar de um processo metacognitivo,
consciente, voluntário, elaborado e que pode ser aprendido e utilizado sempre
que processos de ansiedade, depressão, agressividade, indecisão e outros
problemas psicológicos nos assolem. Essas estratégias de enfrentamento
ensinadas e vivenciadas na terapia cognitiva atualmente assumem caráter
cognitivo, comportamental, relacional, fisiológico e emocional e estão baseadas
em evidências. A terapia cognitiva pode anexar práticas terapêuticas como
mindfulness e técnicas oriundas de outras abordagens, desde que devidamente
adaptadas ao modelo cognitivo. Todas as estratégias, não obstante seu caráter
ou origem, necessitam ter como selo unificador o fato de produzirem mudanças em
crenças, esquemas, pensamentos e no processamento de informações. Dessa forma a
terapia cognitiva assume seu caráter integrador, preconizado por Beck.
Referências:
CLARCK, D. A.; BECK, A. T. Terapia cognitiva para os
transtornos de ansiedade. Porto Alegre: Artmed, 2012.
DOBSON, DOBSON, A terapia cognitivo-comportamental baseada em
evidências. Porto Alegre: Artmed, 2020.
PLISZKA, S. R. Neurociência para o clínico de saúde mental.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
WENZEL, A. Inovações em terapia cognitivo-comportamental:
intervenções estratégicas para uma prática criativa. Porto Alegre: Artmed,
2020.
*Psicólogo pela UNAMA. Mestre em Educação pelo IPLAC/UESPI. Especialista
em Neuropsicologia pela UNINTER. Professor Efetivo do Curso de Psicologia da
UESPI. Coordenador do Serviço Escola de Psicologia da UNIFSA.