Por *Patrícia Lustosa e **Eleonardo Rodrigues
O
estudo sobre a compreensão da linguagem é uma temática fascinante. Sabemos das
várias formas de linguagem, seja falada, gestual ou escrita e que todas as
espécies vivas trocam informações necessárias à sua sobrevivência. Os animais
não-humanos emitem mensagens inteligíveis para sua e outras espécies, como
forma de comunicação, bem observado em comportamentos de demarcar território de alguns animais, e nas danças das aves no
processo de acasalamento etc. Já a linguagem humana, a língua em forma de fala,
é um meio organizado de combinação de palavras para se comunicar, é uma
atividade extraordinária historicamente registrada há milhares de anos.
Aproximadamente, cerca de 60.000 anos usamos a linguagem, mas não se sabe
quando nossos ancestrais começaram a falar.
Chomsky
(1985) revolucionou o cenário linguístico e psicolinguístico, em termos
epistemológicos e metodológicos. Seu novo olhar sobre o estudo da sintaxe,
sugeriu que, para compreendê-la, precisamos ir além das inter-relações dos
elementos constituintes das frases, mas também compreender as relações
sintáticas entre elas. Criando assim, o conceito de gramática transformacional
com estruturas de níveis profundo e superficial, envolvendo regras
transformacionais que orientam as formas como a proposição básica pode ser
organizada em uma frase. Ele fez
críticas incisivas à obra skinneriana
Verbal Behavior (1957), defendendo assim sua posição antibehaviorista e
antiempirista. A sua obra Syntatic
Structures (1957), resumo da tese
de seu doutorado, se concretizaria
como um marco na perspectiva linguística hodierna. Chomsky propõe que se deve
priorizar a compreensão da natureza do sistema em que o falante possui
internamente, produzindo dessa forma um número de horizonte infinito de frases
da língua.
A
capacidade linguística inata do indivíduo conecta-se, cognitivamente, com a do
ser humano em desenvolvimento. Dessa forma, Chomsky fundamentou a gramática
universal, entendida como um núcleo fixo, ou seja, uma origem racional da
linguagem, necessária à elaboração de todas as línguas. Os componentes básicos
dessa gramática universal estariam geneticamente programados no indivíduo. Essa
bagagem universal seria uma estrutura profunda presente em todos os indivíduos.
Heuristicamente, esses dados chegariam à cognição de cada pessoa, aparecendo
assim, na superfície das sentenças.
A
proposta da gramática universal iria de encontro com a perspectiva
behaviorista, tanto no sentido de que, para os behavioristas, caberia apenas
descrever o comportamento passível de observação e no sentido de que a
linguagem humana segundo tal sistema de pensamento não deveria ser vista como
mais um tipo de comportamento. Chomsky confronta a tese behaviorista de uma
linguagem tida como um “comportamento modelado”, independente da pessoa (SINCLAIR-CABRAL,
1991).
Muitas são as críticas quanto a essa visão de Chomsky acerca da perspectiva behaviorista, em especial a skinneriana. Os comportamentalistas defendem-se afirmando que essa visão de “tabula rasa” é ultrapassada, ao pensar na noção de metacontingências que envolvem toda a construção do indivíduo em termos comportamentais. De acordo com a teoria do condicionamento operante de Skinner, as crianças são reforçadas para repetir corretamente o que os pais falam. No entanto, o aprendizado de idiomas, necessariamente não se limita ao condicionamento operante, pois estudos revelam que os pais não corrigem os erros gramaticais, nem repetem constantemente o enredo gramatical daquele idioma, quando muito, corrigem crianças pequenas se o conteúdo do que elas dizem está errado. Sabemos que os processos de condicionamento, reforço e imitação são construtos teóricos muito bem fundamentados cientificamente e aplicáveis numa grande gama de comportamentos e têm um papel importante na compreensão da aprendizagem, mas compreendemos que eles não correspondem a muitos aspectos do desenvolvimento da linguagem contemporânea. Não cabe nesse artigo um aprofundamento dessa questão. Além de que os cognitivistas contemporâneos não preconizam a noção de tábula rasa; hoje sabemos a importância da compreensão do desenvolvimento da linguagem a partir da evolução por seleção natural como observados em outros sistemas biológicos especializados e, de acordo com um dos princípios cognitivistas, os seres humanos, possuem tendências inatas para desenvolver certas estruturas, e a partir de seu desenvolvimento neurosociocognitivo passará a atribuir significados à realidade reagindo intencionalmente a ela (PINKER & BLOOM, 1990; RODRIGUES, 2018).
Outra
contribuição de Chomsky foi de sugerir que o cérebro humano filogeneticamente
seria equipado com um Dispositivo de Aquisição da Linguagem (LAD), processo que facilita o aprendizado da linguagem e que
teria como consequência o favorecimento a compreensão da gramática da língua em
desenvolvimento. Essa ideia é reforçada na observação universal de que todas as
crianças, independentes da cultura ou idioma, perecem passar pela mesma
sequência de desenvolvimento de linguagem. Mas são feitas críticas ao sistema
de pensamento chomskyano, alguns psicólogos cognitivos questionam a ênfase dada
na sintaxe (forma) em detrimento da semântica (significado) (STERNBERG &
STERNBERG, 2017).
A
outra vertente, que problematizamos, refere-se a epistemologia piagetiana. Faz-se
necessário tecer um comentário do enlace da estrutura de desenvolvimento latente no sujeito tanto quanto da importância do meio social que se faz para o indivíduo.
Piaget elucidou que a inteligência humana se desenvolve no indivíduo em função
de interações sociais, interações estas muitas vezes negligenciadas. Apesar de
não ter se detido arduamente nessa questão, suas contribuições foram, mesmo
assim, de extrema importância.
Dessa
forma, pensar a aquisição da linguagem é pensar um processo social. No processo
de aquisição da linguagem, pensaríamos assim numa socialização efetiva da
inteligência, Piaget ao pensar o desenvolvimento cognitivo, elabora
estágios para uma melhor sistematização de suas propostas (TAILLE, 1992).
No
estágio sensório-motor (0-2 anos), Piaget não fala numa real socialização da
inteligência. Ao contrário, essa fase é especialmente individual.
O
estágio pré-operatório (2-7 anos) é onde se pode pensar num início para a
aquisição dessa linguagem, mas ainda limitada no que diz respeito a
possibilidade da criança de estabelecer trocas intelectuais equilibradas,
principalmente pelo fato de a criança pequena ter extrema dificuldade de se
colocar no ponto de vista do outro, de manter definições e de atingir a uma
escala comum de referências. Essas três características é o que Piaget
denominou de pensamento egocêntrico.
É
a partir do estágio operatório-concreto (7-8 e 11-12 anos) que as trocas
intelectuais começarão a se concretizar.
No
estágio das operações formais (12 anos) irá então se concretizar o raciocínio
lógico. Neste estágio, o indivíduo apresenta condições de elaborar um saber
mais adaptado à realidade. Hoje, devido a superestimação vemos esse fenômeno em
crianças de 10 anos. Não raro, as escolas particulares têm antecipado conteúdo
do ano letivo seguinte forçando algumas habilidades com vantagens e prejuízos!
Piaget
abordou o estudo da inteligência antes da linguagem, pensando essa inteligência
como forma assumida pela adaptação biológica ao nível da espécie. Nos estágios,
Piaget pensou que tais processos diriam respeito a uma busca constante de
equilíbrio. Essa equilibração, afirma Piaget, jamais será alcançada, pois o
mundo externo sempre apresentará situações inusitadas que desestruturam o saber
até então elaborado. Trata de uma espiral de desenvolvimento que envolve
arquivos psicogenéticos, potência do meio de estímulo ou negligência deste
meio, envergando diferentes processos de assimilação e acomodação, em busca de
um aprendizado almejado perene. Em relação a aquisição da linguagem, a
aprendizagem desempenha um papel muito importante nessa tarefa. Crianças que
nascem em lares com falantes em português brasileiro aprendem português
brasileiro, enquanto as crianças de lares com falantes piaiuês aprendem
português brasileiro piauiês.
Em
seu texto, Jacques Mehler afirma que duas grandes correntes influenciaram a
psicolinguística. De um lado, uma perspectiva onde os mecanismos de elocução
são autônomos em relação à gramática; de outro, a psicolinguística que recebeu
críticas do cognitivismo. Estes acreditam na impossibilidade de se descobrir a
maneira de utilização das regularidades linguísticas sem levar em consideração
fatores temporais e sequenciais das frases entendidas.
Foram
tecidas críticas à perspectiva piagetiana em relação ao estudo e
desenvolvimentos dos bebês. O texto de
Jacques Mehler provocou-nos uma inquietação sobre a perspectiva piagetiana.
Pensar que Piaget estudou crianças novas colocando-as na posição de tabula rasa
é consequência de um estudo pouco detido na pesquisa piagetiana do
desenvolvimento cognitivo. Em um trecho do texto vejo sérias colocações
equivocadas:
As
descobertas piagetianas ainda resistirão certamente por largo tempo e deverão
ser levadas em conta em toda e qualquer teoria do desenvolvimento que procure
explicar de maneira dinâmica o desenvolvimento e as aquisições. Compreendo, por
minha parte, a teoria piagetiana como uma série de modelos estáticos que são
progressiva e hierarquicamente encadeados entre si, à medida que as crianças
atingem a idade de a, b. n (n+1) anos. Mas esta teoria nunca explica o que é
que faz passar uma criança de um estágio ao seguinte (MEHLER, 1987, p.428).
Pensar
que Piaget não se debruça no processo a que a criança passa ao atravessar os
estágios (lembrando sempre que as idades referentes nos estágios podem oscilar,
ele não afirma ser cristalizado) é fruto de uma leitura ingênua de sua obra
(DOLLE, 1995).
Mehler
nos fala, ainda, sobre um confronto de Chomsky e Piaget em Royaumont. Nesse
encontro o autor afirma a convergência de ambos no que diz respeito a uma
crítica ao positivismo e ao empirismo, mas ressalta que se trata de um
antiempirismo peculiar em cada um deles. Em Piaget, este antiempirismo estaria
relacionado com o fato de que “epistemologia em conformidade com os dados da
psicogênese não poderia ser empírica nem pré-formista, mas não pode deixar de
ser um construtivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas
estruturas.” (MEHLER, 1987, p.430).
Chomsky, por sua parte, afirma que uma faculdade de linguagem, geneticamente
determinada e constituindo um dos componentes do pensamento humano, particulariza
uma certa classe de gramáticas humanamente acessíveis.
No entanto, é importante salientar
que a neurociência tem algumas contribuições nas teorias propostas: O
fundamento neuronal da linguagem nos mostra que as áreas do cérebro que mediam
a linguagem ficam no hemisfério esquerdo, para a maioria das pessoas, sendo
fundamental para a fala e incluem a área de Broca e Wernicke. Danos a uma
dessas áreas – ou a alguma área intermediária – causam um tipo específico de
afasia (um colapso da linguagem). Por exemplo,
um paciente com afasia de Broca entende as perguntas, mas sua fala não é
fluente; já na afasia de Wernike o discurso é fluente, mas é desprovido de
conteúdo. Já o lado direito do cérebro, para a maioria dos humanos, contribui
de forma limitada para as funções linguísticas (STERNBERG & STERNBERG,
2017).
Outra
perigosa afirmação de Mehler envolve a questão do inatismo em Chomsky e Piaget.
O primeiro, ao nos falar da gramática universal, propõe-nos que um sistema
pré-programado estaria internalizado no indivíduo e, dessa forma, ele seria
capaz de compreender e construir infinitas sentenças, mesmo se nunca as tivesse
escutado. Ao se referir a Piaget, o autor nos passa a impressão de que a
perspectiva piagetiana é radical no que concerne a inexistência de uma
estrutura inata (esse talvez seja o maior erro para compreensão da
epistemologia genética). Piaget, como se sabe, nos fala de potencialidades que
o indivíduo possui e que irão influenciar no processo de construção de sua
cognição.
A
proposta do autor de fazer um impacto de Chomsky e Piaget deve ser analisada
com cuidado. Uma leitura prévia dos dois pode ser um bom meio de pensar de
forma mais crítica de dois titãs do sistema de pensamento seja no campo da
linguagem e do desenvolvimento humano.
Atualmente de forma resumida, dentro de uma perspectiva cientifica, as teses mais aceitas sobre a linguagem são: em
relação as suas propriedades, a linguagem tem dois aspectos, produção e
compreensão. Na produção da linguagem, começamos com um pensamento e de alguma
forma o traduzimos em um período, terminando com sons que expressam o período. Em
relação a compreensão, comumente começamos ouvindo os sons, depois acrescentamos
significados aos mesmos em forma de palavras e na sequência acrescentamos significados
à combinação de palavras em forma de períodos (NOLEN-HOEKSEMA et
al., 2018).
Já em relação aos processos de
aprendizagem, quando as crianças começam a falar, inicialmente aprendem
palavras que nomeiam conceitos familiares em seu contexto, depois passam para
os períodos. Iniciam com orações de uma palavra, progridem para a oração telegráfica
de duas palavras e, então, desenvolvem seus sintagmas nominais e verbais. Em certas
condições da fase de desenvolvimento, as crianças aprendem a
linguagem em parte por testar hipóteses, utilizando memórias implícitas
favorecidas pelo automatismo do funcionamento cerebral (IDEM, 2018).
Características
inatas também desempenham um papel importante na aquisição da linguagem. Várias
descobertas apoiam essa afirmação: Primeiro, todas as crianças em todas as
culturas parecem passar pelos mesmos estágios na obtenção da linguagem.
Segundo, como em outros comportamentos incondicionados, algumas habilidades linguísticas
são aprendidas apenas durante um período crítico do desenvolvimento. Isso
explica em parte, por que é relativamente difícil aprender um idioma durante
estágios posteriores da vida de acordo com as teorias que distinguem bilinguismo
simultâneo, ou seja, aprender duas línguas desde o nascimento e bilinguismo
sequencial, aprender uma língua em seguida outra (STERNBERG &
STERNBERG, 2017; NOLEN-HOEKSEMA et
al., 2018).
Contudo,
a interface dos aspectos biológicos, ambientais, cognitivos e políticos são
indispensáveis para uma compreensão da fascinante e complexa linguagem humana
em desenvolvimento. Tomemos como exemplo, a prevalência oficial da língua
inglês falada na maior parte do planeta atualmente. No entanto, essa condição
não é regra permanente no tempo e espaço, caso haja alteração de poder de outra
nação que não a atual americana, fato historicamente observado com a supremacia
do latim de quando o Império Romano detinha o poder.
*Patrícia Rocha Lustosa
Estágio Pós-Doutoral (Ano Sabático) na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto (FLUP U. PORTO, 2017). Professora Adjunta II do Curso de
Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Doutora em Sociologia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2013). Mestrado em Psicologia
pela Universidade Federal do Ceará (UFC, 2005). Graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Ceará (UFC, 2002).
**Eleonardo Rodrigues
Professor do Curso de Psicologia da UESPI. Coordenador do Laboratório de
Neurociência Cognitiva da UESPI. Doutorando e Mestre em Medicina e Saúde pela
UFBA.
Referências
Bibliográficas
DOLLE, Jean-Marie. História e Método In: Para Compreender Jean Piaget. Rio de Janeiro: Guanabara, 1995.
MEHLER,
Jacques. Psicologia e Psicolinguística:
o impacto de Chomsky e de Piaget. In: M. PIATTELLI-PALMARINI (Org.),
Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem: Debate de Jean Piaget e Noam
Chomsky com outros autores. Lisboa: Edições 70, 1987.
NOLEN-HOEKSEMA, Susan.
et al. Introdução à psicologia de Atkinson & Hilgard. São Paulo:
Cengage, 2018.
PIATELLI-PALMARINI,
Massimo (Org.). Teorias da linguagem, teorias
da aprendizagem: o debate entre Jean Piaget e Noam Chomsky. [Trad.: Álvaro
Cabral]. São Paulo: Cultrix; São Paulo: Edusp, 1982. (Théories du langage,
théories de l’apprentissage: le débat entre Jean Piaget et Noam Chomsky).
Original publicado em 1978.
PINKER, Steven; BLOOM, Paul. Natural language and natural selection. Behavioral and brain sciences, v. 13, n. 4, p. 707-727, 1990.
RODRIGUES, Eleonardo P.
(organizador) (2018). Psicologia e psicoterapia cognitivo-comportamentais:
filosofia, intervenção e história. Curitiba: CRV.
SAUSSURE,
JAKOBSON, HJELMSLEV & CHOMSKY. Vida e Obra. In: Textos Selecionados São Paulo: Abril Cultural, 1985. (coleção Os
Pensadores).
SINCLAIR-CABRAL,
L. A revolução Chomskyana in: Introdução
à Psicolinguística. São Paulo: Ática, 1991.
STERNBERG, Robert & STERNBERG, Karin Psicologia
Cognitiva. 7. Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2017.
TAILLE,
Y. de La. O lugar da Interação Social na Concepção de Jean Piaget. In: TAILLE,
Y. de La; OLIVEIRA, M. & DANTAS, H.
Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo:
Summus, 1992.
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