*Lucas Dannilo Aragão Guimarães
A atuação do psicólogo no cenário
jurídico, especialmente no criminal, é algo que desperta curiosidade e
fascinação da comunidade leiga sobre o trabalho do psicólogo jurídico.
Acresce-se a isso, a disseminação parcial e indiscriminada deste fazer
profissional em séries televisivas e filmes que abordam psicopatia, crimes violentos,
assassinatos em série e outros comportamentos criminosos sem claras motivações.
Principalmente quando são disseminados por produções norte-americanas.
A Psicologia Jurídica, no panorama
internacional, recebeu influências de marcos teóricos da Psicologia Clínica,
quando se destacaram as contribuições de Lightner Withmer, Hugo Munsterberg e
William Healy, assim como importantes contribuições da Psicologia Social,
através do pensamento de importantes estudiosos do fenômeno social na América
do Norte por contribuições de Erving Goffman, Howard Becker, David Garland e
Phillip Zimbardo, enquanto na Europa destacou-se a forte influência do
pensamento do filósofo, filólogo e pensador social Michel Foucault. Estes
marcos teóricos atualmente influenciam a heterogeneidade do fazer e das
práticas psicológicas no Brasil, quando se definem as áreas de atuação do
Psicólogo Jurídico brasileiro.
Além da formação teórico-técnica pautada
nos referenciais clínicos e sociais, o psicólogo jurídico precisa apropriar-se
de noções mais amplas como de Direito de Família, Direito de Infância e
Juventude, Criminologia, Criminalística, Sociologia, e outras áreas do saber
forense.
No Brasil, a Psicologia Jurídica
definiu-se com especialidade da Psicologia, através de Resolução CFP 014/2000, emitida
pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) no ano de 2000. Dentre as atribuições
e competências do psicólogo jurídico constam a atuação na interface com o
Sistema de Justiça, em seus diversos serviços, os quais o psicólogo poderá
desempenhar as suas funções como profissional autônomo, vinculados ao serviço
público, instituições privadas ou Organizações Não-Governamentais (ONG´s) com a
finalidade de atuar por meio de realização de avaliação psicológica,
intervenções psicológicas ou realização de assessoria, consultoria e gestão de Políticas
Públicas na área.
Embora a Psicologia Jurídica tenha sido
reconhecida como especialidade da Psicologia apenas no ano 2000, os registros
da atuação do psicólogo brasileiro no campo jurídico datam desde 1960. Inicialmente
o psicólogo atuou junto às demandas criminais, em razão da necessidade de auxiliar
avaliações psiquiátricas em situações que ensejavam a suspeita de limitações da
responsabilidade penal do indivíduo, ou seja, situações que era necessário compreender
a incapacidade do agente em ser responsabilizado pela violência cometida. Geralmente
em situações em que o indivíduo tinha prejudicada a sua capacidade de
entendimento e de autodeterminação, como em casos de surto psicótico, estados
epilépticos e outros. Neste período, o psicólogo atuou ainda na avaliação de
comportamento infracional cometido por adolescentes e posteriormente nas demandas
jurídicas cíveis e de família (Rovinski, 2002).
Posteriormente no Brasil, a atuação do
psicólogo passou a marcar o campo de reflexões sociais acerca do ordenamento
jurídico brasileiro e suas consequências para a dignidade da pessoa humana. Especialmente
quando ocorreu sua inserção no sistema penitenciário, legalmente instituída com
a Lei de Execução Penal (LEP), no ano de 1984. Neste enfoque, os marcos
teóricos da Psicologia Social passaram a discutir determinações das práticas
jurídicas sobre as questões psicológicas, ou seja, “para quem” e “a favor de
quê” a Psicologia deverá atuar (Bivar et al, 2005).
Em relação às áreas de atuação do
Psicólogo Jurídico no Brasil, atualmente reconhece-se algumas delimitações de atuação
que irão definir também as designações de uma prática jurídica, forense e
judiciária. Oliveira (2016) define que o profissional psicólogo poderá atuar
como psicólogo jurídico, psicólogo forense ou psicólogo judiciário no Brasil, a
depender do contato com o sistema de justiça. Este autor define que a mais
larga atuação acontece na Psicologia Jurídica, de forma intermediária e mais
específica na Psicologia Forense e ainda de forma mais especializada na
Psicologia Judiciária.
O Psicólogo Jurídico atuará em uma área
de abrangência mais larga, incluindo desde serviços mais amplos e com a
finalidade de evitar a judicialização de conflitos sociais, a serviços mais
restritos em relação ao Poder Judiciário, a saber o caso de psicólogos que
atuam em situação de vulnerabilidade social, como no caso dos Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS), ou em serviços que já previnam a
violação dos direitos sociais, civis e humanos, como no caso dos Centros de
Referência Especializada da Assistência Social (CREAS), Conselhos Tutelares,
Delegacias, Defensoria Pública, assim como em Organizações Não-Governamentais
de proteção e defesa dos Direitos Humanos, ou ainda na formulação e/ou gestão
de Políticas Públicas de Segurança Pública e Justiça. O foco da atuação do
Psicólogo Jurídico é a não jurisdicionalização do conflito.
O Psicólogo Forense atuará em uma área
de abrangência mais intermediária e específica, onde o psicólogo atuará em
razão diante de uma questão jurídica (quaestio juris). Este profissional
atuará em serviços como Ministério Público, através do trabalho de assistente
técnico, ou ainda em unidades prisionais, Centrais de Penas e Medidas Alternativas,
CREAS e outros. Nesse ensejo, o Psicólogo Forense atuará diretamente através de
avaliações psicológicas, intervenções de ressocialização ou tratamento forense
a casos que demandem tais práticas.
O Psicólogo Judiciário, no entanto, já
irá atuar diretamente na esfera de relação com os magistrados. Este
profissional irá subsidiar a tomada de decisões de juízes, como por meio de
realização de perícias psicológicas, ou ainda colaborar com o rito processual,
como no caso da prática de Depoimento Especial (DE), anteriormente conhecido
como Depoimento Sem Dano (DSD), ou a realização de exame criminológico. O foco
da prática do Psicólogo Judiciário é o auxílio direito à figura do magistrado
para a sua tomada de decisão, instrução e julgamento.
A Psicologia Jurídica é uma das áreas de
atuação do psicólogo que mais cresce no Brasil, com destaque à prática da
perícia psicológica e da assistência técnica, em processos que envolvem
questões de infância e juventude, família, demandas civis e penais (Lago,
Amato, Teixeira, Rovinski e Bandeira, 2009). O trabalho do perito psicólogo pode ser
realizado não apenas por psicólogos concursados e servidores públicos, como
também por psicólogos nomeados e previamente cadastrados em bancos de peritos
dos Tribunais Estaduais, Justiça Federal e Justiça do Trabalho. Enquanto o
trabalho do assistente técnico, via de regra, inicia-se através do contato com
advogados, escritórios de advocacia ou ainda por psicólogos servidores do
Ministério Público.
Algumas demandas emergentes instigam a
procura por serviços psicológicos no Sistema Judiciário, em especial através do
trabalho de perícia psicológica e assistência técnica, como por exemplo:
·
Na
área de Direito de Família, é a área que mais recruta o trabalho do psicólogo,
em especial para as demandas de alienação parental, disputa de guarda, abandono
afetivo, parentalidade socioafetiva.
·
Na
área de Direito da Criança e do Adolescente, destacam-se as demandas de
Infância e Juventude, como adoção, habilitação para adoção, ato infracional,
perda ou suspensão do poder familiar, violência sexual e outras formas contra a
criança e ao adolescente, situações de risco e de violação de direitos.
·
Na
área de Direito Civil, destacam-se as demandas de interdição, curatela, tomada
de decisão apoiada e dano psicológico.
·
Na
área de Direito Penal, destacam-se as demandas de dano psicológico, análise da
credibilidade do testemunho e realização de exame criminológico. Ressalta-se
ainda a realização de Depoimento Especial nas demandas que envolvem violência
contra crianças e adolescentes.
·
Na
área Policial e Investigativa, destacam-se as demandas de assessoramento de
investigadores, negociadores e gerenciadores de crise, assim como na realização
de perícias psicológicas em crimes violentos. No Brasil, a atuação com realização
de perfis criminais, ou Criminal Profiling, é praticamente escassa e parca.
·
Na
área de Direito do Trabalho, destacam-se as demandas de assédio moral,
adoecimento mental relacionado ao trabalho e dano psicológico.
É possível verificar que a Psicologia
Jurídica no cenário brasileiro se mostra atualmente como uma das importantes
áreas emergentes e com abertura para inserção do psicólogo. No entanto, vale
destacar que é imperioso a contínua formação profissional para compreender os
fenômenos clínico e sociais que cercam esta área, assim como o aprimoramento
técnico e ético para lidar com as demandas atuais que envolvem, sobretudo, as
questões de família e de infância e juventude.
Referências
Bivar,
Celso Campos, Maciel, Fernanda Machado, Isidro, Vitor Ferreira, Ayres, Lygia
Santa Maria, & Coimbra, Cecília Maria Bouças. (2005). Trajetórias do
encontro entre a psicologia e o judiciário. Revista do Departamento de
Psicologia. UFF, 17(2), 125-126.
Lago,
V. D. M., Amato, P., Teixeira, P. A., Rovinski, S. L. R., & Bandeira, D. R.
(2009). Um breve histórico da psicologia jurídica no Brasil e seus campos de
atuação. Estudos de psicologia (Campinas), 26(4),
483-491.
Oliveira,
E. A. D (2016). Psicologia jurídica, forense e judiciária: relações de
inclusão e delimitações a partir dos objetivos e da imposição de imparcialidade (Doctoral
dissertation, Universidade de São Paulo).
Rovinski,
S. L. R. (2002). La psicologia jurídica em Brasil. In J. Urra. Tratado de Psicología
Forense (pp.661-665). Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores.
Sobre
o autor:
*Doutor na área de Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco
(Nota CAPES 7). Mestre em Ciências e Saúde (UFPI), na área de concentração em
Avaliação e Saúde Mental, com intercâmbio acadêmico-científico na Università
Degli Studi di Torino (UNITO, Itália). Graduado em Psicologia pela Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e em Odontologia
pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Especialista em Neuropsicologia pelo
Conselho Federal de Psicologia (CFP) e em Saúde Mental (IBPEX) e Terapia
Cognitivo-Comportamental (UESPI). Atualmente é Professor Adjunto de
Psicodiagnóstico, do departamento de Psicologia, Universidade Estadual do
Piauí; Analista Judiciário - Psicólogo (TJ-MA), com atuação
técnico-especializada em Perícia Psicológica Forense nas áreas criminal e cível.
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