Os avanços e acontecimentos ao longo das décadas na
sociedade provocaram (e continuam a provocar) alterações em como interagimos,
trabalhamos e como construímos padrões. Um dos fatores que mais influenciam
diretamente na discussão sobre a atuação profissional da Psicologia na
sociedade é a Gestão e Função do Trabalho na atualidade.
O início do século XIX foi marcado pela criação de
linha de montagem por Taylor e Fayol, trazendo à luz a Administração Clássica.
Foi uma era em que se trouxe o conceito de produtividade, estrutura de
organização e organograma. O resultado desta implementação promoveu agilidade,
capacidade de planejamento, competitividade e, claro, geração de riqueza.
A evolução dos conceitos da Administração Clássica
trouxe repercussões nas décadas de 1920 e 1930, como o fortalecimento de
sindicatos e, no campo científico, a descoberta de como um grupo pode
influenciar no desempenho do trabalho. Elton Mayo, por exemplo, trouxe
resultados de sua pesquisa sobre como as relações no trabalho podem influenciar
na produtividade. Nesta época, ocorreram fatos que fortemente marcaram as
economias mundiais: a Primeira Grande Guerra Mundial e a Crise de 1929. Ainda,
as Teorias Motivacionais repercutiram de forma ampla no mundo organizacional,
como a Teoria das Necessidades Humanas de Maslow.
De 1939 a 1945, o mundo passou pela Segunda Grande
Guerra Mundial, influenciando fortemente para que ferramentas de estratégia de
campos militares fossem levadas para o mundo competitivo das organizações.
Observa-se, também, que a personalidade era uma das variáveis para melhor
funcionamento das equipes. Desde então, testes de personalidade se tornaram
“queridinhos” no meio organizacional na busca de predizer melhor produtividade
e resultados exitosos das empresas.
As décadas seguintes trouxeram mais sistematizações
com a Gestão da Qualidade Total, Administração por Objetivos, ferramentas para
Desenvolvimento Organizacional, formação de lideranças e discurso da excelência
para lidar com a alta competitividade da globalização. Com advento da abertura
de mercados, a facilitação para empreender e avanços tecnológicos na
computação, comunicação em rede social e amplo acesso ao conhecimento em
plataformas digitais, as relações se tornaram mais fluidas. Dessa forma, o
vínculo com a empresa não tem tido a obrigação de durar a carreira profissional
inteira do trabalhador.
É neste cenário que abordagens positivistas e do sucesso
individualizado ganham espaço e o acesso a este discurso foi amplamente
difundido no mercado. Nas décadas de 1990, 2000 e 2010, tais demandas eram
absorvidas por consultores de Recursos Humanos e de Empresas com foco em alta
performance, desempenho de excelência, felicidade e bem estar no trabalho.
Programas motivacionais e aconselhamentos para que se alcance tais vivências no
ambiente laboral extrapolaram este contexto e hoje ocupam espaços
individualizados de “formação de heróis do sucesso”, fazendo surgir os
consultores de vida.
No que tange ao contexto organizacional, há
elementos institucionais que norteiam o comportamento humano e seu desempenho,
como: o Planejamento Estratégico, a Cultura Organizacional, lideranças,
competências desejáveis, avaliação de desempenho... O saber e técnicas
utilizadas para isso advêm de Ciências como a Psicologia, a Administração e a
Sociologia. Dentre o saber da Psicologia, destaca-se a Psicologia Positiva, que
é muitas vezes, utilizada de forma duvidosa pela prática do Coaching, colocando em risco a população.
A polêmica desta situação é que demandas
pertinentes ao comportamento humano na vida pessoal viraram campo de atuação,
mas com norteamento da positividade sem escrúpulos, discernimento e/ou com
preocupações sociais e culturais. A ordem de que todos devam ser felizes e com
sucesso (geralmente associados a bens materiais) fez nascer um mercado de
consultores com este objetivo disciplinador, porém, utilizando o saber da
Psicologia Positiva e técnicas exclusivas da Psicologia, como as da Terapia
Cognitivo Comportamental. Desta forma, foi se criando um tipo de consultor que
se autodenomina coach, que ora se apresenta como aconselhador, ora como
mentor, porém com objetivos muito semelhantes aos de um processo psicoterapêutico,
qual seja, solução de problemas de ajustamento.
Seu embasamento teórico e técnico se assemelham aos da Psicologia Positiva,
Neuropsicologia e Teoria Cognitivo Comportamental, usando apenas o que convém
como um pacote pré-formatado e sem o devido discernimento. Há denúncias de
pessoas que se autodenominam coaches que se sentem à vontade em utilizar
recortes teóricos da Física Quântica, da Medicina, da Economia, das Ciências
Contábeis, da Educação Física e da Nutrição sem terem o diploma dos devidos cursos
reconhecidos no território brasileiro ou, quando tem, não estão registrados nos
seus respectivos conselhos profissionais muitas vezes com intuito de não
passarem por fiscalização. Trata-se de uma clandestinidade que preocupa e
coloca a população em risco. Em recente audiência pública no Senado Federal no
dia 30 de agosto de 2019 (SUG 26/2019), verificou-se na transmissão ao vivo que
pessoas que se identificavam como coaches assumiram que trataram pessoas
com problemas de dependência química em comunidades terapêuticas com estas
técnicas, ou seja, doenças mentais sendo tratadas por outras pessoas que não
são profissionais de saúde.
Voltando ao atual momento de totalitarismo da
positividade e de rejeição à negatividade (elemento este que completa a dialética),
as promessas de uma vida mais feliz, de cura de doenças mentais (lifecoach),
de lucros financeiros (coach financeiro), de emagrecimento rápido com
técnicas duvidosas (nutricoach) se tornam seus principais produtos de
publicidade (muitas vezes, de forma apelativa) com custos que podem ser de
R$1.500,00 a R$8.000,00. Os riscos de encerrar um processo de coaching
com alguma sequela é grande, pois não se trata de uma profissão regulamentada
e, portanto, sem código de ética ou fiscalização. Falas de empoderamento
semelhantes ao bordão de candidatura de Barack Obama “Yes, we can” (Sim,
nós podemos) são reproduzidas para sufocar qualquer angústia, desafiando
inclusive leis e limitações psicossociais, deixando o indivíduo desprotegido de
senso crítico e aumentando, assim, o risco de um esgotamento físico e mental.
Alguns sugerem, inclusive, o abandono de tratamentos medicamentosos prescritos
por médicos para se submeterem a este processo. É preocupante a simples
“importação” de técnicas gerenciais europeias e americanas para o contexto
brasileiro, onde se observa indicadores sociais mais frágeis, como a violência
social e as legislações trabalhistas.
O Coaching tem sido estudado em várias
universidades pelo mundo com pesquisas conduzidas por profissionais de Psicologia,
sendo assim, uma especificidade de estudo dentro desta Ciência. Alguns de seus
estudos, aliados a estudos de comportamento organizacional tem gerado bons
resultados na construção de métodos e modelos de compreensão nas empresas sobre
desempenho, motivação e eficácia organizacional. Debates pertinentes dentro de
um zelo ético da Administração de Recursos Humanos e da Psicologia
Organizacional e do Trabalho em prol de um funcionamento sustentável e
responsável das empresas na relação com seus colaboradores.
Sobre a prática destes processos de mudança
comportamental realizada por não-psicólogos, reiteramos o §1º do Artigo 13 da
Lei 4.119/621,
que regulamenta a profissão de psicólogo:
Art. 13. - Ao portador do diploma de Psicólogo é
conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta
lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de
Psicólogo.
§ 1º Constitui função privativa do
Psicólogo e utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes
objetivos:
a) diagnóstico psicológico;
b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
d) solução de problemas de ajustamento.
Ao nos depararmos com apostilas e
vídeos de cursos de formação em coaching com técnicas e aporte teórico
da Psicologia (Teoria Cognitivo Comportamental, Neuropsicologia e Psicologia
Positiva), verificamos que o §1º reforça que tais usos desta Ciência se configuram como exercício
ilegal da profissão de Psicólogo. Este mesmo raciocínio serve para a técnica
Constelação Familiar e para aqueles que se autodenominam “Analista do
Comportamento”, cujo repertório teórico e de técnicas se baseiam na Teoria
Sistêmica de terapia familiar e conjugal e no Psicodrama. Diante do exposto,
conclui-se que:
- Reconhecemos estas ferramentas, o Coaching e Análise do Comportamento, como pertencentes ao campo da Psicologia e que somente um profissional devidamente registrado no Conselho Profissional tem a autorização para utilizá-las e em contextos específicos. Entendemos que aos não inscritos nos Conselhos, que mediante qualquer forma de publicidade, se propuserem a ofertar tais serviços, deverão ser aplicadas as penalidades cabíveis pelo exercício ilegal da Profissão de Psicólogo( Art. 30 da Lei 5.766/71);
- Não reconhecemos o Coach e Analista Comportamental como profissões haja vista que suas práticas interferem diretamente nas práticas profissionais da Psicologia (Art. 13º da Lei 4.119/62);
- Não reconhecemos as demais áreas de atuação de coaching conforme ofertado e praticado atualmente: para crianças, para vestibular, para concurso público, para engravidar, para casais, espiritual, entre outras que surgem;
- Não reconhecemos o Coaching como procedimento de intervenção para problemas de aprendizagem, de automutilação e de saúde mental e emocional nas escolas, visto que a Psicologia Escolar é uma das especialidades da Psicologia, cujos objetos de intervenção contemplam estas demandas. Reforçando esse entendimento, foi aprovado por unanimidade, o Projeto de Lei 3.688/2000, que dispõe sobre serviços de Psicologia e de Serviço Social nas Redes Públicas de Educação Básica. O PL segue para sanção do Poder Executivo e destaca em seu texto que as equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações voltadas para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais;
- Não reconhecemos o Coaching como procedimento de intervenção para problemas de saúde mental, haja vista a complexidade de tal demanda, sendo a Psicologia uma profissão reconhecida como profissão de saúde conforme Resolução 218 de 06/03/1997 do Conselho Nacional de Saúde;
- Consideramos equivocada a livre oferta de cursos de pós-graduação com a utilização do nome Psicologia, como especialidade, a públicos diversos e por muitas vezes sem formação em saúde, tais como: Psicologia Positiva, Psicologia Organizacional, Psicologia Hospitalar, Análise do Comportamento, dentre outros, visto que o principal objetivo da pós-graduação é instrumentalizar a formação da graduação, para uma melhor qualificação profissional. Tais especialidades vão de encontro às especialidades já reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia para os profissionais psicólogos (Resolução CFP 13/2007 e a 03/2016).
Fonte: Comissão de Orientação e Fiscalização (COF).
Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal.
Link de acesso ao CRP/01 DF:
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